OPINIÃO

Norma Diana Hamilton é professora do Departamento de Línguas Estrangeiras e Tradução (LET/IL/UnB). Doutora em Literatura e Práticas Sociais.

Norma Diana Hamilton

 

Em 2022, o Festival Latinidades, comemorado no Museu da República do DF, contou com a presença de escritoras negras no II Encontro de Escritoras, com o tema “Julho das Pretas que escrevem no DF”. O evento incluiu rodas de conversas, saraus, homenagens a escritoras locais, e o lançamento de Carta Aberta: Pretas que Escrevem no DF – Existimos. Você nos vê? Nos lê?

 

Adelaide Paula foi uma das escritoras presentes no encontro. Natural de Brasília, ela começou sua carreira em 2015, escrevendo em blogues, sites de Literatura, e participando de coletâneas e concursos literários. Hoje, ela tem publicados dois livros infantis, um romance e mais de cem contos.  

 

Ao entrevistá-la, Paula apontou que o maior desafio tenha sido compreender que fazer um livro não se resume apenas à materialização do seu processo criativo, mas abrange todo um movimento coletivo em torno de uma carreira literária. Ela destacou que a carreira literária faz parte do mercado editorial: “é um negócio como outro qualquer; exige marketing, publicidade, parcerias, network e vendas”, disse a escritora. Explicou que ser publicada por uma casa editorial reconhecida seria o melhor caminho para viver de literatura. “Não é um sonho impossível, mas é um processo complexo, que está ligado ao combo talento e sorte, uma combinação exigente para novos tempos. Acrescente a isso o fenômeno das redes sociais, que podem atrair a atenção de leitores e, consequentemente, editoras.  

 

Paula destacou ainda que as mulheres negras escritoras enfrentam os atravessamentos das questões de raça e gênero: elas são duplamente demandadas pelo racismo e o sexismo, que também vicejam no ambiente editorial, que hora diminui a qualidade da escrita delas, hora as rotula como o exótico da produção literária. “Por vezes, nossa literatura é classificada como muito identitária, termo usado de maneira pejorativa, que desqualifica a subjetividade que permeia a vida de papel dos nossos personagens umbilicalmente ligados à nossa própria vida.”

 

A escritora acrescentou que, se por um lado ela deve concordar que o racismo paralisa os processos dos negros, inclusive a criação ficcional, ela não pode deixar de assinalar que toda a literatura dita canônica eurocêntrica é, em todos os aspectos, essencialmente identitária, mas se coloca, falaciosamente, como neutra. “O que autores como Dostoiévski, Goethe e Hugo fazem, além de falar de si e dos seus? No entanto, para alguns críticos, o racismo não deveria pautar a nossa escrita. E, assim, como na vida, permanecer como um tema tabu ou ser apenas o subterfúgio temático para escritores sem talento literário” debruçou a autora.

 

Paula reforça que é nesse âmbito, na construção da ficcionalidade, que a sua identidade como escritora quer se inserir e contribuir para a ampliação do debate sobre o que nos move a escrever. Ela disse que deseja criar histórias com personagens negros e negras vivendo a vida: homens e mulheres de papel que são advogados, gostam de cozinhar, viajam com os amigos, amam e sofrem. Apontou que é possível que suas vidas sejam atravessadas por questões raciais e de gênero, mas “não quero que o gênero e a raça e, consequentemente, o racismo sejam sempre o ponto de partida da minha escrita” destacou a autora.

 

Paula finalizou suas colocações significativas, reforçando a importância do “Julho das Pretas”. Ela afirmou que, “participar de ações como a comemoração dessa data é a expressão máxima da dicotomia que festeja nossas vidas e produções ao mesmo tempo que denuncia nosso extermínio. Nossos algozes não possuem o seu dia, porque não correm o risco de desaparecer. Isso me causa medo e me instiga a lutar!”

 

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