OPINIÃO

 

 

Gersem Baniwa é doutor em Antropologia Social pela Universidade de Brasília. É professor do Departamento de Antropologia da UnB e liderança de organizações indígenas locais e regionais.

Gersem Baniwa

 

Entre os dias 24 e 30 de julho de 2022, será realizada na Universidade de Brasília, na capital federal, a 74ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência – 74ª SBPC. Será a sexta edição em que a SBPC Afro e Indígena comporá a programação científica do encontro nacional. A iniciativa teve início na edição de 2017, realizada na Universidade Federal de Minas Gerais. Desde a edição de 2014, um conjunto de conferências e debates sobre questões que afetam os povos indígenas e afrodescendentes vinha sendo promovido, mas até a edição de 2016, tinha status de programação paralela.  

 

A SBPC Afro e Indígena é uma das atividades da Reunião Anual da SBPC cuja programação é composta de conferências, painéis, mesas-redondas e atividades culturais, com o intuito de colocar em debate temas afro e indígenas do Brasil contemporâneo, além de reflexões sobre práticas científicas, conhecimentos tradicionais e ética em pesquisa, articulados com toda a programação e atividades da reunião. Nesta 74ª edição, teremos painéis e mesas-redondas tratando de antropologias contra-hegemônicas, políticas para a diversidade, diversidades epistêmicas, territórios e territorialidades, diversidade linguística, saúde e educação diferenciadas, culturas e identidades, racismo, políticas de cotas e ações afirmativas, dentre outros temas. 

 

O principal objetivo da SBPC Afro e Indígena é promover debates sobre temas relacionados às realidades indígenas e de afrodescendentes, ampliando as discussões na comunidade acadêmica e promovendo a conscientização sobre essas culturas, saberes, identidades e suas realidades socioambientais. É importante destacar que tratar das questões e realidades afro-indígenas é também uma estratégia de resistência, especialmente diante do atual contexto sociopolítico, marcado por retrocessos e ameaças na sociedade, nas universidades públicas e na ciência. É importante destacar também que a SPBC Afro e Indígena, como espaço de discussão, é fundamental para a construção de uma sociedade menos racista, menos epistemicida, mais justa, menos desigual e mais includente.

 

A SBPC Afro e Indígena é uma conquista histórica tanto para os povos indígenas e afrodescendentes quanto para a comunidade científica. A iniciativa pode ser entendida como redentora de séculos de exclusão e invisibilidade de indígenas e afrodescendentes e seus saberes no mundo científico. Foram 65 edições da SBPC sem a participação de indígenas e afrodescendentes, embora temas sobre eles sempre estivessem presentes, sendo tratados por outros. A realização da SBPC afro e indígena como parte integrante da programação científica da reunião é uma forma de reconhecer e promover os saberes indígenas e afrodescendentes e seus sujeitos, combatendo o epistemicídio e a negação e subalternização dos sujeitos indígenas e negros, enquanto pesquisadores e produtores de conhecimento e não apenas como objetos ou informantes de estudos e pesquisas alheias.

 

A SBPC Afro e Indígena, por meio de mesas-redondas e painéis de debates e atividades culturais, promove visibilidade às questões e situações complexas e graves enfrentadas pelos povos indígenas na atualidade, como as invasões de suas terras pelo agronegócio, pelo garimpo, pelas grandes obras desenvolvimentistas e principalmente as situações de violência e ameaças que têm se aprofundado nos últimos anos, como observado de forma mais extrema nas terras indígenas Vale do Javari, Yanomami e nas terras e comunidades indígenas no Mato Grosso do Sul.

 

A SBPC Afro e Indígena reconhece, valoriza e estimula pesquisadores e cientistas indígenas e negros no espaço acadêmico e na sociedade como um todo, ao mesmo tempo em que amplia e garante maior representatividade racial, étnica, cultural, linguística e epistêmica de segmentos historicamente excluídos, negados, marginalizados e subalternizados no meio acadêmico. Como o espaço acadêmico tem sido predominantemente branco, a SBPC Afro e Indígena torna este espaço mais diverso, plural e com outras possibilidades de ampliação e enriquecimento do acervo de conhecimentos em tempos de incômodo negacionismo científico.

 

A SBPC Afro e Indígena é uma oportunidade para a ciência acadêmica conhecer e reconhecer os povos indígenas e afrodescendentes como produtores, divulgadores e aplicadores de outras ciências com regimes próprios. Os indígenas e afrodescendentes, ao participarem de debates das mesas-redondas e dos painéis, compartilham os modos próprios de produção, divulgação e uso de conhecimentos, a partir de cosmovisões, metodologias e epistemologias próprias, enriquecendo e ampliando o horizonte da ciência acadêmica. Neste sentido, a SBPC Afro e Indígena é um espaço privilegiado e potente para o efetivo exercício do diálogo e da coexistência interativa, respeitosa e complementares dos diferentes sistemas de conhecimentos, ciência acadêmica, ciências indígenas e ciências afrobrasileiras.

 

Por fim, a SBPC Afro e Indígena tem contribuído para reduzir o epistemicídio que vitima indígenas e negros e aberto possibilidades e caminhos para novas experiências de estudos e pesquisas ou mesmo de vida interculturais, intercientíficas e interepistêmicas, para além da tolerância sociocultural. A SBPC Afro e Indígena é um projeto e uma esperança para o futuro de uma Universidade verdadeiramente Plural, Diversa, Intercientífica e Interepistêmica que acolha, agregue e promova todos os saberes e todas as ciências e seus sujeitos produtores e usuários.   

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