OPINIÃO

Rhaysa Novakoski é doutoranda em Comunicação e integra o grupo Siruiz, desenvolvendo pesquisas sobre a dimensão gráfica e os aspectos visuais relacionados à obra de Guimarães Rosa.

Rhaysa Novakoski

 

Símbolo de alegria, criatividade e espiritualidade, o amarelo claro e vibrante da capa que nos apresenta as Primeiras estórias de Guimarães Rosa não parece ter sido uma escolha ao acaso. Lançado em meados de 1962, após um hiato de seis anos sem publicar livros, o autor mineiro nos presenteia com uma coletânea de 21 pequenos contos, envoltos em uma atmosfera mágica, lúdica e metafísica.

Acompanhando a novidade do formato de texto condensado, a apresentação visual do livro também chama atenção. O conjunto de desenhos na capa e o índice ilustrado linha a linha foram traçados pelo pintor e escritor Luís Jardim. Para Rosa, foram vivas de alegria, ao ponto de comentar sobre o “livrinho lindo, é o amarelinho”. Cor que se fixou como apelido carinhoso das edições impressas pela editora José Olympio. “Belo, belo!”, concordaria o Menino do conto de abertura.

 

Os traços que vemos nas Primeiras estórias são caminhos de acesso aos textos, forjados sob a tutela do próprio escritor, cujo controle editorial se firmava, inclusive, nos aspectos visuais e paratextuais de sua obra. Para Rosa, esses elementos concediam um ar de mistério aos livros, “e desvendá-los era muito importante”. E o que, primeiro, capta o olhar dos leitores é o colorido homogêneo da capa que serve de suporte para as figuras “glosantes”.

 

“Eu gosto do amarelo”, disse Guimarães Rosa em seu discurso de posse da Academia Brasileira de Letras, em 1967. A fala foi associada à imagem do fogo no relato sobre a ocasião em que anunciou seu desejo de se tornar chefe de gabinete. Não é possível compreender ao certo o significado da expressão, que pode indicar tanto a persistência de uma mente intelectual e criativa, como também o embaraço causado pela resposta de seu interlocutor.
O certo é que o amarelo tem presença marcante nos livros do autor. Por ser uma cor solar e quente, é constantemente associada às temáticas sertanejas. Mas não só isso. Em diferentes cosmologias, esta é compreendida como a cor da eternidade, da renovação e da terra fértil. Fertilidade que, em uma singela metáfora, faz nascer da capa uma miríade de cenas e símbolos que indicam o tema da alegria, da tristeza e do místico. Internamente, a tonalidade é pincelada em detalhes como o vestidinho de uma menina mágica, a barba encardida de amarelo de um homem desiludido, sapatos, botinas, florzinhas e em um céu crepuscular.

 

O amarelinho chamou atenção, também, de críticos e escritores da época. É o caso de Carlos Drummond de Andrade, que escreveu ao Correio da Manhã, em setembro de 1962, para comemorar o lançamento do livro, como “um outro sinal da primavera”. “Da mesma cor do ipê-amarelo é a capa”, comenta e, em seguida, desenrola uma série de aproximações entre a natureza, a terra e as imagens da estação.

 

A festividade de Drummond vem sendo resgatada pelo Colóquio Internacional Primeiras Estórias - 60 anos. O evento ocorre desde maio, comemorando o sexagésimo aniversário do livro, com a releitura e discussão de cada um dos 21 contos que o compõem. Felizmente, fazendo jus à força gráfica da edição de lançamento, o amarelo também está no evento, desde a comunicação visual colorida pela tonalidade, até as discussões mágicas, felizes e brilhantes a cada apresentação.

 

A programação do Colóquio Internacional Primeiras Estórias - 60 anos vai até agosto, coincidindo, alegremente, com a chegada da tonalidade vibrante dos ipês-amarelos ao cerrado. E, assim, será, outra vez em quando, a alegria.

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