OPINIÃO

Mercedes Maria da Cunha Bustamante é professora titular da Universidade de Brasília e doutora em Geobotânica pela Universidade de Trier.

 

Mercedes Bustamante

 

O desaparecimento do indigenista Bruno Pereira e do jornalista britânico Dom Phillips é, em primeiro lugar, uma ausência extremamente dolorosa para seus familiares e amigos. Mas, tornou-se também mais um marco da luta que travam povos indígenas, comunidades locais, jornalistas e cientistas pela conservação da Amazônia, pela proteção de seus povos e reconhecimento de seus direitos.

 

Em uma coletiva à imprensa em 2019, Dom Phillips perguntou ao presidente Jair Bolsonaro sobre os esforços do governo pela preservação da Amazônia frente aos números crescentes de desmatamento e redução da fiscalização. Da forma brusca que lhe é peculiar, o presidente afirmou que a Amazônia é do Brasil e não de outros países, que somos o país que mais preserva e fez ilações descabidas sobre os dados oficiais do desmatamento, divulgados pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), o qual, na sua concepção, estaria a serviço de organizações internacionais. Quase três anos e meio depois as inverdades emitidas pelo chefe do Executivo seguem como inverdades, mas suas consequências são, cada vez mais, trágicas.

 

Ainda em 2019, Bruno Pereira foi exonerado de sua função na Fundação Nacional do Índio (Funai) por exercer sua missão institucional de proteção aos povos originários e comandar uma ação de combate às atividades ilegais em territórios indígenas. Igualmente, nos últimos três anos vimos a situação de povos indígenas se agravar com invasões de seus territórios em larga escala, degradação ambiental, e violência que não poupa idosos ou crianças.

 

No entanto, nem a truculência das palavras do presidente Bolsonaro dirigidas a Dom Philips nem a truculência da exoneração de Bruno os impediram de seguir em suas atividades profissionais, buscando jogar luz sobre o domínio do crime organizado que se estabeleceu em uma significativa parte da Amazônia na ausência de ações do Estado e na esteira do discurso corrosivo do Executivo federal que tornou ambientalistas, líderes comunitários, cientistas e jornalistas os alvos preferenciais em confrontos na região.

 

O discurso oficial de que a Amazônia é do Brasil é acompanhado do abandono de nossa soberania e da dilapidação dos patrimônios natural e cultural e da história milenar que pertencem a todos nós. Trocam direitos humanos, sabedoria e conhecimentos ancestrais, biodiversidade, regulação climática e hidrológica por devastação e brutalidade. Deixam cicatrizes visíveis e invisíveis.

 

As consequências já se manifestam nas avaliações sobre a perda de funções da floresta e sua menor resistência a outras pressões ambientais e na contaminação sem precedentes de populações humanas por mercúrio. As atividades predatórias e ilegais não geram riqueza, ao contrário, empobrecem o Brasil para as atuais e para as futuras gerações.

 

Dom e Bruno passam a integrar uma lista trágica de muitos que pagaram o alto custo da ciranda de interesses escusos, leniência política e negacionismo em que se transformou a atual gestão federal para o meio ambiente e os direitos indígenas na Amazônia. A população brasileira clama por respostas e justiça para todos eles. Clama também por governantes à altura do desafio e da responsabilidade de transformar a presente trajetória de degradação ambiental e moral em um caminho sustentável e socialmente justo para o país. A Amazônia é importante para o Brasil e para o mundo. Que a determinação de Dom e Bruno seja um exemplo de que, mais do nunca, é preciso importar-se e cuidar. Das pessoas e da natureza.

 

Texto endossado pela Coalizão Ciência e Sociedade.

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Publicado originalmente no Correio Braziliense em 14/6/2022.

 

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