OPINIÃO

Paulo Eduardo Aguiar Saraiva Camara é professor do Instituto de Ciências Biológicas da Universidade de Brasília e coordena o projeto de pesquisa Evolução e dispersão de espécies antárticas bipolares de briófitas e liquens no âmbito do Programa Antártico Brasileiro (ProAntar). É doutor em Botânica pela Universidade do Missouri-Saint Louis e Missouri Botanical Garden.

Paulo E.A.S. Câmara

 

Sou pesquisador do Programa Antártico Brasileiro há mais de oito anos, recentemente cheguei de uma exaustiva, mas produtiva temporada de três meses por lá, onde trabalhei pelo ProAntar na nossa nova e magnifica estação Antártica Comandante Ferraz. Quando cheguei de lá, em dezembro de 2021, amigos e conhecidos me procuraram preocupados, em função de notícias recentes (e alarmantes) sobre surto de covid-19 na estação belga Princesa Elisabeth. Meus colegas queriam saber se eu também havia sido contaminado pelo vírus e qual seria minha explicação para tão preocupante situação, – a infecção pelo vírus causador da covid-19 nos confins do mundo? Onde pessoas estão, por definição, isoladas e onde apenas vacinados podem ter acesso.


O leitor pode imaginar que não demorou muito para o tema se tornar também um debate político e ideológico sobre vacinas, chegando até a sugestão descabida de que a única explicação possível era que a própria vacina estaria causando covid-19 e que os pesquisadores belgas não deveriam nem ter se vacinado antes de embarcar para Antártica.


Diante de tanta confusão, resolvi que poderia dar alguma contribuição. Acredito que este debate se origina no pouquíssimo conhecimento que as pessoas têm das atividades antárticas, certamente muitas delas nunca estiveram por lá. Então peço a sua paciência para tratar do tema. O primeiro esclarecimento é que a Estação Antártica Comandante Ferraz fica muito longe da estação Belga, então, não, eu não estava lá e não me contaminei. Em Ferraz (como em outras estações), cuidados semelhantes aos dos Belgas foram tomadas e nenhum caso foi registrado até o momento.


Mas então o que ocorreu na Estação Belga? É fato que todos os ocupantes da base (cerca de 30) estavam vacinados com as duas doses (um deles já havia recebido inclusive a terceira dose) e passado por quarentenas e testes antes de chegar à Antártica. Aos 11 infectados foi dada a opção de voltar à civilização, porém oito decidiram ficar e enfrentaram uma quarentena na própria estação. Todos apresentaram apenas sintomas leves (provavelmente por estarem devidamente vacinados) por no máximo três dias e atualmente já estão todos de volta às atividades normais, ou seja, hoje não há mais nenhum caso de covid-19 na estação belga Princesa Elisabeth, os próprios belgas afirmaram que o caso não foi “grande coisa”.

O que as pessoas não sabem é que a estação belga, diferentemente de Ferraz, é acessada e suprida via África do Sul, ou seja, os ocupantes da base belga tiveram que passar primeiro por um país que conta com baixos índices de vacinação e onde primeiro foi detectada a variante do Sars-Cov-2 denominada Ômicron, conhecida por conseguir burlar as vacinas disponíveis. Ademais, a Antártica é, de fato, um dos lugares mais remotos do mundo, porém as pessoas não estão isoladas, e sim todas aglomeradas devido ao frio e às condições extremas, sempre foi assim. Outra coisa importante é que na Antártica tudo vem de fora, não existe comércio ou plantações, então periodicamente as estações são supridas de tudo, desde combustível, alimento até parafusos, tudo tem que vir de outros lugares. No caso da estação belga, muitas coisas vêm da África do Sul, dessa forma nunca se está totalmente isolado.

 

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