OPINIÃO

Dioclécio Campos Júnior é professor emérito da Universidade de Brasília, doutor em Pediatria e membro titular da Academia Brasileira de Pediatria.

 

 

Dioclécio Campos Júnior

 

A humanidade está a caminho de uma nova era na qual a relação humana a distância comanda o espetáculo. Com efeito, os avanços tecnológicos de comunicação vêm sendo incorporados ao cotidiano das pessoas condenando-as a uma nova modalidade comportamental.


A convivência social desaparece progressivamente das relações pessoais. Educação, respeito, comunicação, afeto, abraço, amor, paz, sabedoria, saúde, medicina, criatividade, produção, comércio, justiça, amizade e outras práticas já predominam a distância. Assim passa a ser a vida nos tempos atuais, dominada pela inteligência artificial e robotização.


A interação pessoal perde o calor humano. As crianças são, sem dúvida alguma, as maiores vítimas do distanciamento, que é o marco da nova era. Muitas delas já têm uma vida intrauterina bem afastada de sua mãe legítima. São aquelas criadas na chamada "barriga de aluguel". Além disso, a sua amamentação é um direito visivelmente subestimado. Passam a ser nutridas com leite não humano, produzido a distância. Ademais, como consequência, o contato pele a pele, que sempre marcou a relação materno-infantil, já não tem valor. Os efeitos benéficos que esse estímulo tão natural exerce, comprovadamente, sobre o desenvolvimento do novo ser humano, são cada vez mais desprezados.


Nos tempos de hoje, as mães vivem a distância dos filhos. Quando vão trabalhar, deixam os seus bebês nas chamadas creches, onde não há possibilidade de se desenvolver um meio ambiente capaz de acolher os infantes com o aconchego, o carinho, o afeto e a interação espiritual inerentes ao amor de sua mamãe. Lamentavelmente, a maternidade não é reconhecida como a mais suave e insubstituível missão educativa, sem a qual uma sociedade verdadeiramente humana inexiste. As mulheres são contratadas para prestar serviços longe de casa, sem poder exercer, em tempo integral e dedicação exclusiva, a sublime incumbência maternal de que dependem o crescimento e o desenvolvimento saudáveis das novas gerações.


Os efeitos devastadores da atual pandemia, que condenam a sociedade humana a uma degradação aparentemente irreversível, geram a crença no falso progresso da educação a distância. É importante considerar uma clara definição que o grande Cícero, da era romana, formulou. Segundo o seu pensamento, educar uma criança é amamentá-la e instruí-la. São dois verbos que não devem ser conjugados a distância, pois sintetizam o benefício humano presencial que há de ser preservado para que a humanidade não seja condenada à extinção irrevogável.


Por outro lado, a palavra infância vem do francês antigo. Significa dependência. É a definição correta de que a referida faixa etária depende do adulto. Não merece, portanto, ser tratada a distância. Ao contrário, precisa ser totalmente protegida, estimulada, amamentada e instruída pelo exemplo afetivo e comportamental dos seus pais. É como se constrói uma humanidade saudável. Não é com dinheiro, capital econômico, tecnologias as mais complexas, nem com desigualdades que geram as ditaduras do estatismo e do monetarismo.


Uma sociedade sólida e igualitária jamais será planejada a distância. O desprezo da nova era para com o passado desconfigura, por completo, a natureza humana, já quase integralmente ignorada. Uma frase inesquecível que tive a oportunidade de ler em pontos históricos de Braga, a cidade mais antiga de Portugal, que data do ano XVI antes de Cristo, diz o seguinte: "Vamos cultivar o passado para construir o futuro". Nada mais correto e coerente para que o humanismo retome os princípios que soube construir ao longo dos tempos. São os conceitos inerentes ao progresso legítimo, que buscam afastar a espécie humana da animalidade com a qual se identifica. Para tanto, essas referências histórico-culturais incomparáveis não devem ser tratadas a distância.

 

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Publicado originalmente no Correio Braziliense em 10/03/21.

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