OPINIÃO

Bruno Lara é jornalista e pesquisador. É doutor em Ciência da Informação pela Universidade Federal do Rio Janeiro e tem pós-doutorado na mesma área pela UnB.

Bruno Lara

 

Foi dada a largada da corrida para quem irá acertar como será a vida pós-pandemia. Livros, artigos em jornais, programas de TV, podcasts, lives e seminários fazem especulações sobre como iremos nos relacionar profissional, amorosa e socialmente, como serão os negócios comerciais, a arquitetura, a moda, os processos de ensino e aprendizagem, viagens de avião... Enfim, como será a vida pessoal, coletiva, pública e privada a partir de agora e, em especial, de quando sair essa bendita vacina, seja ela chinesa, russa, inglesa, marciana ou seja lá de qual nacionalidade for. Não aguento mais andar de bicicleta (com máscara) em via pública (pouco movimentada) com o sentimento de culpa e transgressão (ah, tá! Então você não escapole!). 

 

Muitos palpites apontam que a pandemia está motivando uma ruptura rápida e intensa dos padrões sociais. É como se a digitalização fosse nos salvar: migração das lojas físicas para as vendas on-line, reuniões de negócios por aplicativos, prevalência do home office, aulas a distância, restaurantes sustentados por serviços delivery, telemedicina, namoros iniciados por aplicativos e por aí vai.

 

Discursos de ruptura são atraentes, alimentam debates e a imaginação. No fim das contas, acredito, sim, que a pandemia vai trazer mudanças significativas para a nossa vida, mas não de forma vertical, irreversível e inegociável. Muito do que imaginamos que vai mudar, não vai. Possivelmente, a gente nem mesmo suspeita de algumas transformações já em curso. Processos consolidados na sociedade tendem a retornar, pois são difíceis de serem transformados assim, rapidamente, seja por tradições, limitações econômicas, conformismo, regras jurídicas etc. A imaginação tem menos compromisso com o chão do que a vida nua e crua.

 

Muitas das discussões sobre o pós-pandemia não são só tentativas desinteressadas de adivinhar o amanhã. São, também, estratégias do mercado para testar, orientar e nos acostumar com o consumo de produtos, serviços e informações, bem como com maneiras de nos comportarmos e até mesmo de pensarmos (e a gente aí, achando que nós somos criativos e autônomos intelectualmente). A construção de discursos é, também, exercício de poder.

 

O cenário está aberto e em construção, mas o que muitos de nós queremos mesmo – talvez a maioria – é voltar à sociabilidade do antigo normal. Ainda mais nós brasileiros, adeptos do afeto, do contato físico, da comunhão presencial. Esse negócio de isolamento, embora fundamental para a saúde pública, não combina com o nosso DNA. Como assim assistir a shows dentro de carros usando a buzina como palmas?! Como assim “sextou” virtual pelo Zoom?! Muito nutella para o brasileiro raiz, que em alguns estados chega a cumprimentar com três beijinhos! O sociólogo Dacher Keltner diz que contatos físicos geram confiança e espírito de comunidade, de pertencimento. E disso, nós historicamente entendemos bem!

 

 

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