OPINIÃO

 

Suylan Midlej e Silva é jornalista, mestra em comunicação e cultura contemporâneas (UFBA), doutora em sociologia (UnB) e professora do Curso Gestão de Políticas Públicas, do Mestrado Profissional em Administração Pública e do Programa de Pós-Graduação em Administração da Universidade de Brasília (GPP/PPGA/UnB).

 

 

 

Valdemir Pires é economista, professor do Departamento de Administração Pública da Unesp/Araraquara e Diretor da Escola de Governo do Município de Araraquara.

Suylan Midlej e Silva e Valdemir Pires

 

Estamos cada vez mais conectados mundialmente e o acesso às informações por meio da Internet é relativamente simples, embora saibamos que as dimensões continentais e a desigualdade social no Brasil ainda dificultam esse acesso. Mas as informações estão aí, potencialmente disponíveis, para todas as pessoas. Em que medida esse estado de coisas se relaciona com a atual crise sanitária com características de pandemia? A informação, em tal circunstância, é uma variável imprescindível para a tomada de decisão na área de saúde, fazendo a diferença entre vidas e mortes. Mas há que se considerar que somente disponibilidade de informação não é suficiente para o enfrentamento da Covid-19, que avança exponencialmente, com alta letalidade devido ao esgotamento da capacidade hospitalar para socorrer os afetados. Além disso, é muito comum o excesso de informação mais atrapalhar do que ajudar.


O que temos visto no Brasil desde a chegada da Covid-19 é uma correria desordenada em busca de informações sobre o vírus e a prevenção contra o contágio. E as informações obtíveis, infelizmente, não têm sido suficientemente seguras e transparentes a ponto de a população se sentir segura com elas. Transparência, registre-se, não se confunde com disponibilidade e acesso à informação. E transparência pública é algo que vai além. Sem ela não se faz comunicação pública, esta, sim, capaz de contribuir para o enfrentamento da pandemia, com envolvimento de todos, governos e sociedade, interagindo entre si de modo colaborativo. O que é necessário avançar para que saiamos de uma condição de mera disponibilidade de informações para outra, em que a transparência se faça presente e a comunicação pública possa atuar para contribuir no combate aos efeitos da pandemia?


Antes de tudo, há que se reforçar que estamos em uma democracia, e neste regime a comunicação pública é um direito dos cidadãos, e até mesmo um bem público. Comunicação pública é aquela que tem como foco o interesse público, com controle social. Distinta de comunicação governamental, que é praticada por governos e voltada para prestação de contas e reconhecimentos de ações, bem próxima da comunicação política, que busca promover determinado governo ou forma de governar para atingir a opinião pública, nem que seja de um grupo específico.


Em um cenário de pandemia, sem dúvida, a comunicação pública é a principal forma de comunicação e não pode prescindir da transparência pública. Ela se faz no espaço público, abordando tema de interesse público, com inclusão de diferentes setores da sociedade. Ao fazer uma correlação da pandemia do coronavírus com as informações oficias que temos acompanhado, é possível refletir sobre algumas indagações no que se refere à transparência pública.


Vale ressaltar, de saída, que a transparência possui muitas dimensões, entre elas, divulgação, precisão e clareza, devendo ser a qualidade da informação uma preocupação primeira. No Brasil, em relação à transparência pública, como tem sido a divulgação sobre o coronavírus e a Covid-19? Aqui, trabalharemos com dois marcos: os meses de março e abril deste ano, lembrando que em 26 de fevereiro, o Ministério da Saúde confirmou o primeiro caso de coronavírus no Brasil, em São Paulo; e, em 17 de março, a primeira morte.


A partir de março, os dados governamentais em nível federal passaram a ser divulgados diariamente por meio de boletins epidemiológicos disponibilizados no portal do Ministério da Saúde. Esses boletins são alimentados com dados das secretarias estaduais de saúde e contêm informações com números absolutos de casos confirmados, óbitos e percentual de letalidade da doença. Além disso, quase que diariamente passaram a ser realizadas coletivas de imprensa promovidas pelo Ministério da Saúde, que sempre trouxe números e orientações sobre a doença. Essas mesmas informações as pessoas podem acompanhar também por aplicativos, em seus celulares e pelas tantas redes sociais do ministério: Facebook, YouTube, Instagram, Twitter e Web Rádio. E por telefone, também (Disque saúde 136). Ao navegar por sites e redes dos estados e municípios, vemos uma réplica dessas mídias com dados locais, geralmente, governamentais.


Mas seriam essas informações confiáveis ( precisas ) e passíveis de serem interpretadas com mediana facilidade ( clareza )? A simples disponibilização de informações públicas pelos governos não garante a transparência dos dados e não garante o principal para o enfrentamento da doença: o envolvimento da sociedade, mobilizada por uma comunicação pública. Esta limitação faz com a efetividade das políticas e ações previstas não seja atingida.  Por isso é preciso mais: orientações em uma única direção, com dados precisos e claros, o que inclusive evitaria desencontros dentro do próprio governo. Percebe-se que a sociedade civil organizada, as universidades públicas e outras organizações têm realizado ações de grande importância para o enfrentamento da pandemia, mas até esses grupos e segmentos esperam por informações públicas confiáveis para ajudar a mobilizar a sociedade. Não raro buscam elas próprias munir-se de dados. Não há um esforço governamental de orientação e potencialização de tudo que vem sendo feito por múltiplos agentes que atuam contra a pandemia.


Voltando às coletivas de imprensa, estratégia de comunicação que passou a ocorrer em âmbito federal e estadual. No caso do Ministério da Saúde, estas ocorreram com regularidade até dia 14/4. Com a troca de ministro, o novo titular da pasta participou de uma coletiva para sua apresentação no dia 22/4, e outras três nos dias 23, 27 e 28/4. Nas coletivas, houve expressiva diminuição da presença de jornalistas e priorização de perguntas encaminhadas, o que minimiza a interlocução com a sociedade por meio dos veículos de comunicação,o que, por sua vez, enfraquece a comunicação pública.

Embora o discurso do atual ministro da saúde aponte que "a única forma de ajudar a sociedade e salvar o maior número de pessoas é trabalharmos todos juntos, de forma planejada e estruturada"[1], não nos parece que isto esteja acontecendo a contento. Não se faz comunicação pública responsável quando ministério e Presidente da República têm orientações diferentes ou não seguem orientação bem definida (afinal, é ou não para fazer isolamento social?), com divulgação de números e dados, sem muita precisão e clareza das informações, a exemplo da dificuldade para lidar com os dados dos falecimentos diários, ou da falta de atualização das ocorrências  nos diferentes discursos, em pronunciamentos e até mesmo na base de dados do portal do Ministério da Saúde, como observou-se na coletiva de apresentação do novo ministro, no dia 22/4; na ocasião, o número de infectados que o ministro tinha em mãos e o inserido no texto de rodapé da TV eram distintos.


Nos níveis estadual e federal, a situação da transparência e da comunicação pública não é também alentadora. Não há homogeneidade, ocorrendo casos de melhor qualidade do que no nível federal, assim como de pior. No caso do Distrito Federal, o Ministério Público do DF e Territórios tem cobrado, inclusive, com ajuizamento de ações, mais transparência na divulgação das contratações diretas baseadas na Lei do Coronavírus para acompanhamento dos órgãos de fiscalização e da sociedade civil[2]. A falta de coordenação federal cobra um preço alto em termos de qualidade da comunicação pública, que, possivelmente, se traduzirá em maior número de mortes.


A existência de muitos canais de divulgação de dados não significa que há informação precisa e clara, nem confiável. Não há uma linha única nem única fonte das informações públicas. Dessa forma, o necessário engajamento da população na prevenção à Covid-19 fica prejudicado. Muitos ainda sequer entendem a gravidade da pandemia, outros não compreendem o que devem fazer exatamente. Para uns tantos, o que tem chegado são informações (não raro fakenews ) em grupos de WhatsApp , suscetíveis a todo tipo de manipulação. Este último elemento coloca um dado novo: como os governos devem atuar para ser transparentes e praticar boa comunicação pública (eficiente, eficaz, efetiva) na era das redes sociais, que minimiza os tradicionais meios de comunicação e coloca em xeque as informações oficiais?

 



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