OPINIÃO

Mercedes M.C. Bustamante é professora titular do Departamento de Ecologia da Universidade de Brasília;

 

José Alexandre Felizola Diniz Filho é professor titular do Departamento de Ecologia da Universidade Federal de Goiás.

 

O artigo é subscrito pela Coalizão Ciência e Sociedade, que reúne 72 cientistas de instituições de ensino e pesquisa brasileiras

Mercedes Bustamante e José Diniz Filho

 

No dia 24 de janeiro, foi confirmada a indicação do novo presidente da Capes, professor Benedito Aguiar. A Capes é a principal agência de fomento aos programas de pós-graduação, que são a força motora da ciência brasileira.

 

As notícias da indicação de Aguiar vieram acompanhadas de informações sobre sua defesa do criacionismo em “contraponto à teoria da evolução”. Tal posição, vinda de quem deveria priorizar a Ciência, é um desalento para a comunidade científica brasileira, já abalada pela redução de verbas e pelas sucessivas ações de afronta à autonomia universitária e à liberdade acadêmica.

 

A teoria evolutiva tem sido questionada principalmente por motivações religiosas e com base em concepções errôneas sobre Ciência, incluindo a de que evolução por seleção natural é “só mais uma teoria”. Nesse contexto, uma nova versão do criacionismo surgiu há alguns anos na forma da “teoria” do Desenho Inteligente, defendida por Aguiar. A ideia é que a vida e a diversidade biológica são tão complexas que teriam que ter sido criadas por um “projetista” — uma entidade divina. Sem embasamento científico, tais ideias são apenas mais uma forma de pseudociência, uma tentativa de usar um arcabouço científico para validar uma visão religiosa fundamentalista.

 

Em Ciência, teoria é o status mais avançado do conhecimento com base em observações e experimentos rigorosos. O importante geneticista Theodosius Dobzhansky afirmou que “nada em biologia faz sentido, exceto à luz da evolução”. A partir de novas pesquisas e evidências, a teoria evolutiva avançou muito desde Darwin e nos permite hoje compreender os seres humanos não só como produtos biológicos da evolução, mas também como participantes ativos em muitas mudanças em curso.

 

Os conceitos evolutivos básicos, em especial a ideia de seleção natural, são relevantes e aplicados em diversos aspectos da vida cotidiana. A fusão da teoria evolutiva e da epidemiologia mudou radicalmente a forma como vemos a evolução das relações patogênicas, permitindo entender o aumento da resistência aos antibióticos e elucidar a origem e propagação de patógenos, como o HIV, Ebola e o vírus da gripe. A evolução também é essencial para se entender outros aspectos de saúde, incluindo doenças autoimunes ou neurodegenerativas, câncer, o envelhecimento, a obesidade e a saúde mental.

 

O progresso da agricultura e das sociedades modernas dependeu da seleção de espécies vegetais e animais, imitando e acelerando processos de seleção natural. Hoje, técnicas mais aperfeiçoadas de biologia molecular, associadas a uma ampla compreensão do processo evolutivo, permitem desenvolver novas variedades ainda mais produtivas e resistentes tanto a doenças quanto a condições ambientais extremas.

 

Relevante para todas as áreas da Biologia, a evolução é particularmente relacionada com a Ecologia, na compreensão das relações entre organismos em seu ambiente natural. Hoje, esse conhecimento é crucial em função dos impactos negativos da perda de habitats e das mudanças climáticas. À medida que esses impactos trazem aumento das temperaturas, secas, mudanças nos padrões de precipitação e estações de crescimento mais longas, plantas e animais estão evoluindo e se adaptando em resposta às novas condições.

 

A explicação científica para a origem e evolução da vida na Terra baseia-se em um sólido conjunto de evidências e fatos que têm, também, enorme valor e efeitos práticos. Não podemos nos dar ao luxo de contrapor ciência com pseudociência. Simples assim.

 

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Publicado originalmente em O Globo em 28/1/2020

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