OPINIÃO

Márcia Abrahão Moura é reitora da Universidade de Brasília e professora do Instituto de Geociências. Doutora em Geologia pela UnB.

Márcia Abrahão¹

 

Um dos maiores desafios para as universidades públicas federais brasileiras é a criação e manutenção de mecanismos que garantam à totalidade dos estudantes um percurso acadêmico de sucesso. Nesse sentido, uma assistência estudantil consistente e bem-estruturada – tanto do ponto de vista orçamentário quanto estratégico – é fundamental para combater os índices de evasão e de retenção, que preocupam as instituições de ensino superior.

 

Nos últimos anos, as universidades estão vivenciando uma mudança no perfil discente. Se, há uma década, o ensino superior público, de qualidade, era praticamente restrito a estudantes economicamente favorecidos, a expansão e crescente democratização do acesso às instituições têm cada vez mais trazido para a graduação – e, posteriormente, para a pós-graduação – jovens até então excluídos do ambiente universitário.

 

Dados de 2016 da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes) mostram que ao menos 66% dos estudantes de graduação têm renda familiar per capita inferior a um salário mínimo e meio. Ou seja, a maioria dos estudantes que hoje frequenta as universidades públicas precisa de algum tipo de apoio para a permanência no curso.

 

No Restaurante Universitário da Universidade de Brasília (UnB), a quantidade de refeições servidas gratuitamente para estudantes em condição de vulnerabilidade socioeconômica dá uma ideia de como esse público cresceu ao longo dos últimos anos. De 2015 a 2017, houve aumento de 57% no número de refeições 100% subsidiadas pela Universidade.

 

De 2016 para cá, a UnB também ampliou a concessão de bolsas de auxílio socioeconômico (28%) e de auxílio-moradia na modalidade pecúnia (27%). Em 2017, foram criados dois novos mecanismos de apoio: o auxílio-transporte para estudantes que vivem no Entorno do Distrito Federal (com 50 bolsas no ano passado e outras 50 este ano) e o auxílio-creche, para estudantes com filhos de até 4 anos (10 bolsas no ano passado e outras 10 este ano).

 

Também estamos atentos a situações que exigem um tratamento diferenciado. No mês passado, nos deparamos com o caso da aluna de direito Millena Silva de Moraes, que tem paralisia cerebral e mora na Casa do Estudante Universitário (CEU). Millena vive acompanhada da mãe, que a auxilia em todas as atividades acadêmicas. Neste semestre, a família precisou trazer a irmã mais nova, de 11 anos, para a CEU. Embora a situação seja inusitada e excepcional, a UnB acredita ser prioritário garantir que Millena conclua a graduação. Pessoas como ela enriquecem a nossa comunidade e fortalecem a vocação democrática e inclusiva das universidades. Com o apoio da Procuradoria Federal junto à UnB, a Reitoria pôde autorizar a permanência da Millena acompanhada da mãe e da irmã na CEU.

 

Tudo isso ocorre em um momento em que os recursos do Programa Nacional de Assistência Estudantil (Pnaes) crescem muito abaixo das necessidades. Isso significa que, embora haja um crescimento acelerado no número de estudantes em vulnerabilidade, as verbas que ajudam a mantê-los nas universidades não estão sendo capazes de atender à demanda. Como consequência, muitas instituições precisam lançar mão de seu orçamento de custeio para garantir o andamento das iniciativas – orçamento que também sofreu reduções nos últimos anos. A situação se tornou ainda mais grave com a vigência da Emenda Constitucional nº 95, que estabeleceu um teto para os gastos públicos – inclusive, em áreas estratégicas como a educação.

 

Esse estrangulamento ultrapassa a questão orçamentária e compromete, a médio e longo prazos, a concretização de uma das principais missões das universidades públicas: a formação de profissionais capazes de agir para a transformação de que o país precisa. Não se trata apenas de garantir que mais pessoas tenham um diploma de ensino superior, mas que tenham acesso a uma formação crítica, cidadã e de qualidade, que possa torná-los agentes das transformações sociais necessárias.

 

É urgente, portanto, que o Estado brasileiro – independentemente de qual seja o governo – assuma a tarefa de garantir a continuidade das ações de assistência estudantil e de fortalecimento das universidades públicas brasileiras. Somente por meio de uma política de Estado, com inequívoca priorização da educação, podemos garantir os processos de longo prazo necessários à superação da desigualdade social e econômica no país e à retomada de seu desenvolvimento. A UnB, ao lado de outras universidades, vem trabalhando para sensibilizar as autoridades em relação ao assunto. Contribuirá também para essa garantia a regulamentação, pelo Congresso Nacional, da autonomia universitária com recursos e condições para as universidades se manterem e se expandirem. Um primeiro passo, ainda parcial, foi dado na Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2019.

 

Como gestora de uma das maiores universidades da América Latina, pioneira na implantação de ações afirmativas para o ingresso de estudantes negros e indígenas, devo dizer que as mudanças ocorridas nos últimos anos tornaram a UnB mais humana e qualificada. A instituição vem melhorando seu desempenho em rankings internacionais, em uma demonstração de que combinar excelência e inclusão social dá certo. A universidade, que se expandiu e se modificou, tornando-se mais plural e democrática, não deve voltar ao seu tamanho e forma original. Não se pode retroceder quanto ao direito à universidade pública, inclusiva e de qualidade; afinal, trata-se de um direito social conquistado pela sociedade brasileira.

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¹Reitora da Universidade de Brasília (UnB)

Publicado originalmente no Correio Braziliense em 22/09/2018.

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