OPINIÃO

Carlos Potiara Ramos de Castro é jornalista, professor visitante da Faculdade de Comunicação (FAC) e do Centro de Estudos Avançados Multidisciplinares (CEAM) da Universidade de Brasília e do Centro Universitário de Brasília (UniCEUB). Graduado em Comunicação Social, mestre em Ciência Política pela Universidade de Paris 8, doutor em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Campinas e pós-doutor no Centro de Pesquisa e Pós-Graduação sobre as Américas (Ceppac) da Universidade de Brasília. Foi pesquisador visitante do Brazil Center e da Lindon B Johnson School of Public Affairs da Universidade do Texas em Austin, pesquisador do Centro Internacional de Políticas para o Crescimento Inclusivo (IPC-IG) da Organização das Nações Unidas, atuou na Secretaria de Biodiversidade e Florestas do Ministério do Meio Ambiente com cooperação internacional, sobretudo com as Convenções sobre Diversidade Biológica e do Clima. Suas atividades são nas áreas de ciência política, relações internacionais,comunicação social e meio Ambiente.

Carlos Potiara Ramos de Castro ¹

 

Em um mundo em que as relações de poder entre as principais potências se baseiam na capacidade militar nuclear, o programa nacional iraniano de enriquecimento de urânio se tornou na década de 2000 um elemento de forte instabilidade na região mais conflituosa do planeta. Foi o ministro Celso Amorim, junto com o chanceler turco, quem coordenou a assinatura de um acordo em 2010 que previa instrumentos de controle da capacidade de enriquecimento de urânio do Irã.

 

Nos meses anteriores à assinatura do acordo, o então primeiro ministro iraniano, Mahmoud Ahmadinejad, buscou aumentar a capacidade persa de enriquecimento do minério, instalando milhares de centrífugas em locais secretos, um dos quais no interior de uma montanha. O principal da questão era a tecnologia de enriquecimento de urânio, que tem uma aplicação dual. Ela permite a elaboração de produtos com finalidade militar, assim como para civil. O urânio enriquecido é usado em equipamentos médicos e para gerar energia elétrica. O que diferencia o uso civil do militar é o nível de enriquecimento desse minério. A 90%, o urânio se torna instável e pode ser usado para a produção de um artefato nuclear.

 

Entre as tecnologias duais, a mais significativa para a sociedade atualmente é aquela usada para produzir agrotóxicos. Ela deriva da experiência alemã no desenvolvimento de armas químicas, que gerou posteriormente produtos para uso agrícola. Do pesticida Zyklon A, por exemplo, usado nas décadas de 1920-1930 na agricultura alemã, derivou a arma química, usada nos campos de concentração nazistas, o Zyklon B.

 

A caráter dual da tecnologia usada para desenvolver agrotóxicos é assunto corrente e há publicações científicas que lembram que produtos à base do herbicida mais difundido do mundo, o glifosato, “são dez vezes mais tóxicos se inalados do que absorvidos oralmente”. A inalação do herbicida Roundup, à base de glifosato, provocou em ratos de laboratório “sintomas de toxicidade... que consistiam em falta de ar, olhos inflamados... ficando os pulmões vermelhos ou congestionados de sangue”[i]. É necessário lembrar igualmente que a quantidade de agrotóxicos aplicados está correlacionada com plantio de grãos trangênicos. A principal empresa do setor, por exemplo (a Monsanto/Bayer), desenvolveu sementes trangênicas para que se tornassem resistentes ao herbicida e não às pragas.

 

A partir da entrada em vigor do novo Código Florestal, as plantações de trangênicos se alastraram nas terras do entorno do Distrito Federal, transformando perenemente aquela savana. Estamos vivendo a aventura de subordinarmos o território nacional aos cálculos estratégicos de outros países, remunerando a pesquisa e o desenvolvimento de uma tecnologia dual, que pode derivar na produção de armas de destruição em massa. Fica-se com uma vaga impressão de que isso equivaleria a autorizar o Irã a instalar centrífugas no Cerrado.

 

Essas são informações básicas para o debate atual sobre a redução de restrições ao uso de agrotóxicos. É uma perspectiva que permite compreender o problema de uma forma desapaixonada e franca. E ajuda igualmente a explicar a complexidade de interesses setoriais e industriais em torno da produção de agrotóxicos. E de repente, toda a virulência das vozes pela redução de critérios de fabricação e pela liberação da identificação desses produtos se torna mais clara e compreensível.

 

[i] COX, Caroline (1998). “Herbicide facsheet: glyphosate”, Journal of Pesticide Reform. Vol. 18:3.

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¹Carlos Potiara Ramos de Castro é jornalista, professor visitante da Faculdade de Comunicação (FAC) e do Centro de Estudos Avançados Multidisciplinares (Ceam) da Universidade de Brasília e do Centro Universitário de Brasília (UniCEUB). Graduado em Comunicação Social, mestre em Ciência Política pela Universidade de Paris 8, doutor em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Campinas e pós-doutor no Centro de Pesquisa e Pós-Graduação sobre as Américas (Ceppac) da Universidade de Brasília. Foi pesquisador visitante do Brazil Center e da Lindon B Johnson School of Public Affairs da Universidade do Texas em Austin, pesquisador do Centro Internacional de Políticas para o Crescimento Inclusivo (IPC-IG) da Organização das Nações Unidas, atuou na Secretaria de Biodiversidade e Florestas do Ministério do Meio Ambiente com cooperação internacional, sobretudo com as Convenções sobre Diversidade Biológica e do Clima. Suas atividades são nas áreas de ciência política, relações internacionais, comunicação social e meio ambiente.

Publicado originalmente no portal jornalggn.com.br em 1º/08/2018.

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