OPINIÃO

Fábio Henrique Pereira é professor da Faculdade de Comunicação da UnB, especialista em sociologia profissional dos jornalistas. É autor do livro Jornalistas-intelectuais no Brasil, publicado em 2011, pela Summus Edirorial.   

Fábio Henrique Pereira

 

 

No último dia 22 de maio, faleceu, aos 86 anos, Alberto Dines, jornalista, escritor e fundador do Observatório da Imprensa, um dos mais importantes projetos de crítica da mídia no Brasil.

 

Conheci Dines em 2007, durante a realização de minha pesquisa de doutorado sobre os Jornalistas-intelectuais no Brasil. Dines era um dos intelectuais escolhidos para ser entrevistado. Como editor do Jornal do Brasil, entre 1962 e 1974, teve uma participação fundamental na modernização da imprensa brasileira. Além disso, publicou vários livros, dentre eles a bela bibliografia de Stephan Zweig, Morte no Paraíso.

 

Fizemos duas longas entrevistas em seu escritório, na Villa Madalena, São Paulo. Depois, continuamos uma correspondência esporádica, que terminou pouco depois da defesa do doutorado, em 2008. Nessas trocas, Dines chegou a me enviar pelo correio algumas reportagens publicadas pelo jornalista e escritor norte-americano Philip Roth – que, aliás, faleceu um dia após a morte de Dines. Junto com os textos fotocopiados, veio uma pequena mensagem, desejando que os relatos de Roth me ajudassem a reencontrar a “beletrística do jornalismo”.

 

Essa expressão ilustra bem a obra intelectual de Dines. Muitas vezes lembrado pelas reformas que promoveu no Jornal do Brasil e que servirão de base para a profissionalização da atividade jornalística no País, Dines era também tributário de um jornalismo reflexivo, bem escrito, sonoro, literário. “A gente não pode ter medo dessa palavra ‘literário’, porque o jornalismo é uma arte literária”, explicou durante uma de nossas entrevistas.

 

Não que fosse um adepto do jornalismo literário, embora admirasse esse estilo. No fundo, Dines acreditava que um texto jornalístico, fosse um comentário para o Observatório da Imprensa ou um livro-reportagem, deveria sempre ser pensado, trabalhado e retrabalhado antes de sua publicação. Era assim que ele definia a beletrística do jornalismo.  

 

Jornalistas intelectuais

 

Dines forjou sua identidade no ambiente intelectual Rio de Janeiro dos anos 1950. Naquele momento, não havia uma separação clara entre jornalismo, literatura e engajamento intelectual. “As redações dos jornais eram centros de fagulhas, estavam ali fagulhando, um talento batendo no outro”, contou. Escrevia, “escutando a sonoridade dos editorialistas do JB”: Otto Lara Resendo e o Antônio Cândido.

 

Com o tempo, essas figuras foram expulsas das redações e o paradigma do jornalismo de mercado ganhou tornou-se hegemônico, deixando em segundo plano sua função intelectual. Isso explica a saída de Dines do jornalismo mainstream ainda nos anos 1980. Como outros jornalistas-intelectuais, ele teve de criar novos espaços que lhe permitissem continuar militando (no sentido mais amplo do termo) por um jornalismo capaz de contribuir com sociedade. “Porque o problema não é só saber escrever, é ter uma atitude de intelectual perante a vida, de se sentir: ‘Eu sou um agente cultural’”. Foi assim que ele passou a ser reconhecido também como escritor e crítico da mídia.  

 

Quando comecei meu doutorado, Patrick Champagne, um dos discípulos do sociólogo francês Pierre Bourdieu, me disse que os jornalistas-intelectuais que eu gostaria de estudar eram uma espécie em extinção. Desde que terminei a tese, três entrevistados – Carlos Chagas, Carlos Heitor Cony e, agora, Alberto Dines – faleceram. Na época, eu também já começava a perceber que esse tipo do jornalismo não iria durar muito tempo, tanto que a maioria dos meus alunos na Universidade de Brasília já não sabiam quem era Alberto Dines. O problema é que, no momento atual, em que novamente vivenciamos um “tempo negro e temperatura sufocante”, com o país “sendo varrido por fortes ventos...”, precisamos mais que nunca de redações-fagulha e de jornalistas-intelectuais.

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