OPINIÃO

Graduação em Ciências Contábeis e em Ciências Econômicas, mestrado em Administração pela UnB e especialização em Administração Econômica e Financeira pela Universidade de Paris I e em Política e Administração Tributária pela Fundação Getúlio Vargas (FGV). Professor do Departamento de Ciências Contábeis e Atuariais da Universidade de Brasília (UnB). Consultor legislativo e coordenador do Núcleo de Orçamento, Finanças e Tributação, da Câmara dos Deputados. Possui cinco livros publicados, entre eles Contabilidade Tributária (Atlas) e O sistema Tributário na Nova Constituição (Editora UnB).

Roberto Bocaccio Piscitelli



Ultimamente, e por seguidas vezes, ao refletir sobre o Brasil, me vem à memória aquela antológica sequência final de cenas do filme Titanic, afundando rapidamente sob o som inabalável da orquestra de violinos, que continuava a tocar, como se nada de extraordinário estivesse acontecendo. Era como se fosse a própria marcha fúnebre, pois o que estamos constatando hoje é a absoluta falta de rumos e – o que é pior – de perspectivas, algo assustadoramente trágico. Vivemos um quadro em que se mesclam omissão, apatia, desânimo. Há um sentimento generalizado de descrença, pessimismo e impotência.

 

Tudo vai sendo conduzido sob os mais estritos interesses pessoais e imediatistas, tudo se resolve por conchavos, nos bastidores, na calada da noite – literalmente –, em locais insuspeitos, e de forma casuística. O mais estranho é que todos os movimentos são mais ou menos previsíveis, e as personagens, mais do que conhecidas. A desfaçatez e a hipocrisia estão escancaradas; a mentira, a manipulação e a mistificação são deslavadas.

 

É evidente que, se tivéssemos uma educação um pouquinho melhor, talvez se pudesse ter peneirado um pouco essa poeira, talvez se tivesse podido filtrar um pouco dessa enxurrada de esgotos sem tratamento. Mas mesmo isso não é suficiente. Numa época dominada pelas pós-verdades, os mais variados sistemas de informações e de comunicações pouco têm contribuído para provocar a consciência das pessoas, para fazer-nos despertar do sono secular e profundo em que jaz a população brasileira. Ouço dizerem com frequência que o país é a própria piada pronta, o que me leva a intuir que uma das categorias profissionais mais agudamente atingidas pela crise do desemprego é a dos humoristas.

 

Vivemos verdadeiro caos institucional. Os Poderes se tornaram tão independentes que funcionam em absoluta desarmonia. E há cada vez mais poderes emergindo na atuação de cada órgão e de cada entidade da República. Os conflitos são também internos, personalizados, gerando perplexidade entre os cidadãos. Essas disputas se tornaram mais evidentes pelo que alguns consideram como excesso de exposição – e de exibicionismo – midiáticos. É irresistível a tentação à fogueira das vaidades, à exacerbação do autoritarismo, ao livre exercício do arbítrio. As autoridades parecem ter esquecido aquilo que tão apropriadamente se convencionou chamar de a liturgia do cargo (ou do poder).

 

As audiências, sessões e outras manifestações colegiadas se transformaram num palco em que os mais elementares princípios de respeito pelos outros foram abandonados. O nível das discussões ficou tão baixo que é quase impossível abordar quaisquer divergências de forma serena, objetiva e racional. Todas as diferenças se resolvem no grito, na intimidação, na chantagem e – às vezes – na violência primitiva. A cada dia, ouvimos menos e falamos mais – e mais alto –, ainda mais por termos sempre razão e sabermos de tudo para estabelecer verdades definitivas a propósito de qualquer assunto.

 

Esse mesmo tipo de comportamento – nem poderia ser de outra forma – se reproduz na sociedade, nas nossas relações quotidianas, o que está transformando a vida diária em sucessão de conflitos intermináveis e até certo ponto insolúveis. Estamos cada vez mais dominados pela impaciência e intolerância, que, no limite, nos levaram ao ódio, tão flagrante nas redes sociais, e que se traduz com tanta contundência nas mais diversas manifestações de segregação, discriminação, preconceito e no recrudescimento da violência – quase incontrolável – contra as minorias, que são, afinal, a maioria neste país: pobres, negros, mulheres, LGBTIs e tantos outros segmentos historicamente marginalizados.

 

É, sem dúvida, preocupante o quadro que se desenha aos nossos olhos. E, apenas para ilustração, convido-os a atestar a degradação do padrão civilizatório do país, refletindo sobre o comportamento das torcidas de futebol e a atitude dos motoristas nas grandes e médias cidades brasileiras, para concluir que, em vez de criticar somente os políticos, deveríamos fazer uma espécie de regressão, ter um pouco mais de humildade e reconhecer que a mudança começa no mundo de cada um de nós.

 

                                                                                                   

Publicado originalmente no Correio Braziliense em 3/7/2017.

 

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